segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Martini e Lágrimas

A mulher entrou no bar sob os olhares gulosos dos freqüentadores assíduos do local. Ela usava um vestido azul, um azul tão profundo que fazia qualquer pessoa, ao olhar para ele, se distanciar do presente e se perder na imensidão das idéias em azul.

Sentou-se em um canto do balcão. Os olhares não a incomodavam; ao contrário: era o efeito que desejara. Suas formas esguias, porém curvilíneas, que preenchiam seu melhor vestido não a deixavam na mão. Curvou-se sobre o bar, com um estalo de dedos a mulher chamou o barman e, com um sorriso camuflado em seus lábios fartos e um olhar cerrado de seus olhos azuis, tão azuis quanto seu vestido, pediu:

- Um Martini.

Sua voz aveludada e meio rouca fez o barman perder o equilíbrio. Sua perna ficou bamba e ele mal conseguia se manter em pé, nem se apoiando sobre o bar, pois sua força também havia sido drenada por aquela mulher através de seu feitiço. Ele tentou se lembrar das palavras que ela citara a ele , quando conseguiu ficou envergonhado e virou-se de costas e começou a procurar pela garrafa, mais como desculpa para não olhar o conteúdo daquele vestido, que continuava debruçado sobre o balcão.

Um blues tocava ao fundo. A música a fazia lembrar de seu passado, apesar de nunca tê-lo esquecido. As noites frias que passava junto ao seu cliente favorito, ao som daquelas mesmas notas. O belo rapaz era mais velho, mas isso não importava, desde que realmente se sentisse amada, e foi o que sentira por tanto tempo que a fez largar seu modo de vida. Ela não precisava mais fazer aquilo que fizera até então, desistiu de tudo e foi procurá-lo.

Neste momento a decepção era tudo o que sentiu: ela o encontrou junto a sua mulher e filha, de três anos. Nunca tomara conhecimento do fato de ele ser casado, mesmo depois de dois anos juntos...

Procurou por seu Martini. Como não o encontrou, procurou pelo barman: ele continuava procurando pela garrafa.

- Senhor?

O pobre barman quase caiu dessa vez. Só não foi ao chão porque se apoiou na prateleira de copos. Virou-se, hesitante, para ela que, mais uma vez, repetiu:

- Um Martini. Ali.

Com sua mão perfeita, delicada, com o já conhecido azul em suas unhas, ela apontou em direção à garrafa, que estava à frente do barman, que soltou um sorriso meio sem-graça e começou a prepará-lo, tremendo, intimidado pela presença da bela mulher. Ela sorriu, seu nervosismo a lembrou de como o rapaz ficou ao vê-la se aproximando para falar-lhe na presença da esposa.

Empalideceu. Começou a olhar a sua volta, encontrou seu carro e se apoiou nele, patético. Sua mulher, ao vê-lo assim, olhou em sua direção e entendeu,, ao menos em seu ponto de vista, o caso todo.

Parou a cinco metros da família, não disse nada. Esperou o rapaz se recompor. Sorriu. Um sorriso amigável em direção à pobre esposa que agora mordia os lábios e a olhava gelidamente. Durante cinco longos minutos ninguém falou nada, exceto pela menina, que levantou a mão e disse:

-Oi.

-Bela criança. Disse ela a mãe. Quantos anos?

-Três.

-Que beleza! Três anos e tão esperta!

-É.

O rapaz se recompôs. Juntou-se a esposa e sorriu em sua direção.

-Boa tarde, Sr. Marcos! Ela falou.

-Boa tarde. O que a traz aqui? Respondeu, com um sorriso que servia, de uma maneira muito precária, para disfarçar seu nervosismo extremo.

-Estava visitando um amigo e, como estava perto ia perguntar se o senhor iria precisar de meus serviços mais tarde ou se poderia tirar folga hoje. O senhor entende, não? Preciso relaxar um pouco e como sua agenda está com poucas entradas, minha presença não será necessária...

-Está bem, eu entendo. Tire a semana de folga, eu avisarei quando deverá voltar.

Mais uma vez, ela sorriu. Olhou a esposa: estava olhando o chão e engolindo seco, mas se manteve de pé, com a criança no colo, sem sequer dar um movimento em falso. Admirável.

-Obrigada! Respondeu, voltando seus belos olhos a ele. Até mais, então.

Virou-se e foi embora, com um pé a frente do outro como se estivesse em uma passarela, de fato, todos os olhares estava sobre ela devido a sua melhor arma: o movimento de seus quadris. Ainda mais quando em uma midi-saia vermelha que mal a deixava se mover em cima de sua sandália de salto que combinava com o conjunto. Tudo isso contrastando com aquela tarde nublada de outono.

O Martini havia chegado quando ela voltou de seus devaneios. Levou a taça a boca e sorveu um pequeno gole. Procurou pelo barman: estava atendendo a outro cliente, um costumeiro, já conhecido dele. Era moreno claro e aparentava ter já os seus quarenta e tantos anos e falava muito. O barman freneticamente balançava a cabeça como se estivesse negando algo, mas ela não sabia o quê.

Examinou o local: mesas se apertavam no meio do salão escuro e esfumaçado pelos cigarros e charutos dos freqüentadores. Em uma parede a jukebox era constantemente alimentada pelas moedas de bêbados e seus pedidos tanto tristes quanto familiares a ela. A cada música, um suspiro e uma lágrima. A última remeteu ela ao dia mais triste dentre os que lembrava.

Estava em sua casa, acabara de tomar banho quando ouve uma batida conhecida à porta. Correu ao chamado. Era ele, sorridente. Certamente sua visita surtiu o efeito que esperava. Beijou-o apaixonadamente, recebendo a mesma emoção em troca, por um longo tempo. O frio seco das primeiras noites de inverno invadiu a casa e ela sentiu um arrepio por debaixo de sua toalha; eles entraram e fecharam a porta.

Na manhã seguinte, ao acordar, avistou seu amado sentado do seu lado da cama, fitando-a como nunca fizera antes. Mas seu olhar era outro: havia um ar de tristeza ao seu redor que nem seu sorriso conseguiu expulsar. Algo estava errado.

-O que foi? Perguntou, hesitante.

Ele continuou a olhá-la. A tristeza se misturou à ternura, aproximou-se dela e passou a mão em seus longos cabelos negros. O que a incomodou: seu silêncio era atemorizante.

-Querido?

Ele sorriu. Agora estava claro. Seu sorriso tentava disfarçar o nervosismo. Realmente, não conseguiria se controlar nunca em uma situação de pressão. Respirou fundo e disse tremulamente as palavras que esperava ouvir desde o encontro com sua família.

-Acho que devemos acabar aqui.

Apesar de já esperar estas palavras, nunca imaginara que a sensação de ouvi-las seria tão violenta: por um momento tudo a sua volta escureceu, seu peito ficou apertado, um zumbido passou pelo ouvido por menos de um instante, gelou. Quando voltou a si, ainda zonza, perguntou:

-Por quê?

Já sabia a resposta:

-Conversei com minha esposa. Eu quero consertar as coisas com ela. Espero que entenda... Além disso, tenho uma filha...

A mesma história que ouvia de suas amigas. Ela esperava que não fosse igual, mas estava cega. O amor a cegar, agora percebeu tudo: não devia ter misturado as coisas, seu trabalho não a permitia sentir essa emoção. Era tarde demais. Olhou para todos os lados procurando por alguma ajuda para se levantar, como não encontrou, permaneceu deitada. Abriu a boca, queria lhe dizer o quanto ele significava para ela, que ela não conseguiria respirar mais, pois era seu ar que estava indo embora... Mas nenhuma palavra saiu.

-Desculpa.

Foi a última coisa que ela escutou dele, antes de sair pela porta do quarto, sem olhar para trás. Irônico, de todo o tempo que passaram juntos este ato foi o de maior coragem que viu da parte dele. Infelizmente, não achava que era ela quem fosse vê-lo de costas pela última vez, mas o oposto. Quando percebeu que ele tinha fechado a porta da frente e saído, finalmente, desabou em um choro tão digno de pena que hoje ela ainda fica triste ao relembrá-lo.

Levou o Martini a boca mais uma vez, porém tremulamente. Dois goles, dessa vez. Sua garganta havia se fechado. Baixou os olhos como se examinasse o balcão. Passou algum tempo assim. A tristeza não passava. Bebeu o resto. Chamou o barman novamente.

Ele atendeu ao chamado e foi descobrir o que ela queria. Já se acostumara com sua presença, apesar de sentir o peito apertado perto dela.

-Sim?

-Outro.

Desta vez, ela não levantou a cabeça, não sorriu, não olhou para ele. Algo estava errado. Preparou mais um Martini. Colocou-o sobre o balcão, tentando descobrir o que acontecera. Uma lágrima escorria pelo lado esquerdo de seu rosto. Engoliu seco.

-Aqui está. Por conta da casa.